7 mares

Antonio Calloni: o ator poeta

Intérprete de personagens inesquecíveis faz nova incursão nos livros de poesia em Paisagem vista do trem, da Papirus

Antonio Calloni é um rosto mais que conhecido na televisão. É também, não necessariamente nesta ordem, ator de teatro, escritor, apreciador de vinhos, pai, marido, devoto de Santo Antônio, criador de coelhos, pescador amador, fã de Star Wars, datilógrafo e freqüentador relativamente assíduo de sessões de psicanálise. Mesmo com todas essas atividades, Calloni ainda acha tempo para fazer poesia, como mostra seu segundo livro na área: Paisagem vista do trem, lançamento da Papirus 7 Mares. Como isso é possível? “Não falta inspiração para quem está permeável à vida. E isso, infelizmente, não é tão simples quanto parece. O Tempo, como todos nós sabemos, é um orixá poderoso. Se a gente for legal com Ele, Ele pode ser legal com a gente”, responde o sempre simpático Calloni, cujos poemas chamaram a atenção de gente graúda na área literária, como Moacyr Scliar.

“Concentração de talentos é uma surpresa sempre agradável e, mais que agradável, entusiasmante: dá testemunho das múltiplas possibilidades do ser humano. Antonio Calloni é, como todos sabem, um belo exemplo de talento multifacético”, afirma Scliar no prefácio da obra, pouco antes de elogiar poemas como “Notícia sobre a criança”.

Nessa incursão no universo da poesia, Calloni – que se declara “fã dos Manoéis” (Bandeira e de Barros) – publica 32 poesias, agrupadas em cinco partes: Pintores do oriente, Redação infantil, Quatro estações, Alguns gracejos e A mulher e o trem. O critério para cada grupo de poesias não é temático: segue o coração do autor. “Na ‘Redação infantil sobre a comida de alguns poetas’, além de fazer uma clara homenagem à poesia e aos poetas, eu insinuo a influência que alguns desses mestres e suas obras exercem na minha escrita. Graças ao bom Deus, eu sou um sujeito altamente influenciável: acredito em Deus, na sua invenção, no ET de Varginha, no meu analista, em mim e, principalmente, na vida”, diz.

Calloni conta que começou a se interessar por poesia quando tinha 13 anos e fez uma viagem “arrebatadora” à Itália com os pais. “Na volta, escrevi um poema em italiano em homenagem à vila onde meu pai nasceu, Ponte San Pietro. Lembro bem que queria dizer que o povo da vila era ignorante sem ser agressivo e usando a própria palavra ignorante. Organizei poeticamente as imagens, as palavras, as emoções, os sabores, os gritos, as cantorias, as massas, as lágrimas, as gargalhadas e, intuitivamente, é claro, consegui. Fiquei muito feliz quando meu pai e minha mãe leram o poema e choraram como bons italianos”, relembra. E acrescenta: “Deve haver alguma razão biológica para a necessidade de escrever poesia. Quando eu entorto um fato, uma imagem, um sentimento, um fragmento através da poesia, me lembro de quando eu era criança e esmagava pintinhos na granja do meu pai só para ver o que eles tinham por dentro, como é que eles funcionavam. Escrever poesia talvez seja uma tentativa, às vezes até mais cruel, de ver como a vida funciona”. O que os fãs do ator podem esperar então do poeta? Poesias que emocionam ou que mostram como a vida funciona? Com a palavra, o próprio Calloni: “Podem esperar tudo! Paixão, procura, provocação, amor, humor, alguma sombra, um calor dos diabos e o melhor afago do melhor Deus”. Ponto final.

do livro Paisagem vista do trem, de Antonio Calloni

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Contracapa do livro:

Concentração de renda é uma coisa da qual ninguém gosta. Mas concentração de talentos é outro papo, é uma surpresa sempre agradável e, mais que agradável, entusiasmante: dá testemunho das múltiplas possibilidades do ser humano. Antonio Calloni é, como todos sabem, um belo exemplo de talento multifacético. É o ator que todos nós admiramos, na tevê, no cinema, no teatro. A partir da minissérie Anos dourados (Globo, 1986), foram numerosos os seus trabalhos na tevê, incluindo Os Maias, Terra nostra, Chiquinha Gonzaga e Amazônia, de Gálvez a Chico Mendes. No cinema, atuou em Policarpo Quaresma, herói do Brasil, de Paulo Thiago. Mas Calloni é também escritor e poeta, autor de Os infantes de dezembro (1999), A ilha de sagitário (2000), Amanhã eu vou dançar – Novela de amor (2002),  O sorriso de Serapião e outras gargalhadas (2005). Um trabalho recebido com aplausos. “Fino prosador, alçando a nossa miséria à marca exemplar da fábula”, diz João Gilberto Noll na orelha de O sorriso de Serapião e outras gargalhadas. “Isto que tem às mãos, leitor, é literatura transcendente”, garante Pedro Bial ao analisar Amanhã eu vou dançar – Novela de amor.  E ninguém menos do que o grande Manoel de Barros afirma, a propósito de Os infantes de dezembro:  “Sua poesia vem de uma aguda percepção da nossa mais vulgar vivência. Gosto de tudo”. 

Com Paisagem vista do trem, Antonio Calloni nos dá mais uma demonstração de seu enorme talento poético, um talento que resulta de um notável domínio da forma associado a uma profunda sensibilidade. (Trecho do prefácio de Moacyr Scliar)

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4 gracejos

(poesias extraídas do livro Paisagem vista do trem, de Antonio Calloni)


SONO
(um gracejo para a história)

O homem acordou um pouquinho e voltou a dormir.

NO FINAL, FOI O VERBO
(um gracejo para a nossa obra pretérita e quase perfeita)

Eu matei
Tu mataste
Ele matou
Nós matamos
Vós matastes
Eles mataram
1/4/2003

PERDIDO
(um gracejo sem direção)

– (entredentes) Perdeu, perdeu.
a carteira
o relógio
o revólver
o medo
viajam sem rumo
nas letras
minúsculas
de um nome josé.
carteira, josé, relógio, revólver, medo.
– (desnorteado) Perdemos…

RESUMO DA ÓPERA
(um gracejo em movimento)

só nos resta
respirar
comer
beber
foder
tomar banho
escovar os dentes
usar papel higiênico macio
morrer
e (para os de bom gosto)
nascer.

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