De autoria da microbiologista Natalia Pasternak e do jornalista científico Carlos Orsi, Contra a realidade, lançado pela Papirus, discute a negação da ciência, suas causas e consequências
O mundo moderno vive um paradoxo: temos astronautas em órbita e, ao mesmo tempo, gente que jura que a Terra é plana. O descompasso vai além da astronomia, chegando a questões cruciais para a saúde humana e o meio ambiente, e evidencia-se na tranquilidade com que até autoridades constituídas muitas vezes propagam informações sem comprovação, colocando em risco a vida de milhões de pessoas.
Essas premissas são o ponto de partida da microbiologista Natalia Pasternak e do jornalista científico Carlos Orsi em Contra a realidade: A negação da ciência, suas causas e consequências, lançado pela Papirus 7 Mares (192 pp.), livro em que a dupla se debruça sobre as origens e engrenagens por trás de “movimentos” cada vez mais populares – e perigosos para a civilização –, como o terraplanismo, o criacionismo e a negação do aquecimento global.
Pasternak e Orsi explicam que a força do negacionismo resulta, em grande medida, da resposta de grupos poderosos, com forte senso de identidade, à “ameaça” imposta pelo conhecimento às suas ideologias e crenças e aos seus interesses. Segundo os autores, o ataque aos consensos científicos tendem a cumprir pelo menos uma destas três funções:
1) confundir o debate, paralisando a tomada de decisões ou embaraçando a adoção de políticas públicas;
2) criar um espaço psicológico que permita que certas atitudes irracionais sejam apresentadas como razoáveis ou dignas de mérito; e
3) gerar sentimento de solidariedade ideológica, lealdade e coesão interna em grupos que partilham de uma identidade comum.
Diante disso, os autores lembram que “enxergar essas funções com clareza é tão importante quanto encontrar e disseminar os fatos corretos”. Conforme eles mostram, não é de hoje que é preciso lidar com teorias negacionistas. Ao longo da história, é possível identificar diversos casos. Contra realidade é permeado de exemplos que ilustram bem isso, do terraplanismo à negação do aquecimento global, passando pela desconfiança com as vacinas e pelo medo dos alimentos transgênicos. Há inclusive quem negue fatos históricos, como o Holocausto. A teoria da evolução e o movimento criacionista também são discutidos pelos autores, que ainda destacam como a história do negacionismo está atrelada à indústria do cigarro, com a negação e a relativização dos riscos reais do consumo do tabaco.
Se uma pessoa acredita que um remédio inadequado vai curar determinada doença, ela não só o utiliza, como o oferece aos filhos. O mesmo acontece com quem acredita que vacinas são prejudiciais à saúde; sua tendência é evitá-las em sua família. “Tão grave quanto o estímulo a ações irresponsáveis ou prejudiciais, no entanto, é o efeito que os negacionismos têm sobre o ambiente político e cultural da sociedade”, alertam os autores. “Ao expor uma série de casos exemplares, procuramos, neste livro, armar o leitor para que possa dissecar, criticar e evitar armadilhas semelhantes que, certamente, surgirão no futuro”, concluem.
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Sobre os autores:
Natalia Pasternak é microbiologista (USP) e divulgadora científica brasileira, presidente do Instituto Questão de Ciência. Atua como professora convidada na Fundação Getulio Vargas, na escola de Administração Pública, e na Universidade de Columbia (EUA), no Departamento de Ciência e Sociedade. É colunista do jornal O Globo, da revista The Skeptic UK, do portal Medscape, publisher da revista Questão de Ciência e autora do livro Ciência no cotidiano. Em 2020, tornou-se membro do Committee for Skeptical Inquiry e recebeu o prêmio internacional de promoção do ceticismo “The Ockham Award” (Navalha de Ockham) e o “Brasileiros do Ano” (revista IstoÉ), na categoria Ciência, além de ter sido indicada como “Personalidade do Ano” pelo jornal O Globo.
Carlos Orsi é jornalista (ECA-USP), escritor, editor-chefe da revista Questão de Ciência e fundador do Instituto Questão de Ciência. Tem várias obras de divulgação científica publicadas, como O livro dos milagres, Pura picaretagem, O livro da astrologia e Ciência no cotidiano. Integrante da equipe que implantou, na década de 1990, a produção de conteúdo exclusivo para internet no Grupo Estado, criou, em 1997, a seção on-line de divulgação científica “Ano 2000”, iniciativa pioneira no Brasil. Foi repórter especial e colunista do Jornal da Unicamp, responsável pela coluna “Telescópio”, e da revista Galileu, onde assinava a coluna “Olhar Cético”, tratando de pseudociências e da análise de temas polêmicos de uma perspectiva científica.